2.12.2008

Augusto Mateus sobre a Economia Portuguesa

O sistema fiscal português é sempre algo de controverso: muitos empresários qualificam-no de demasiado elevado. O que pensa sobre isto Augusto Mateus, Ministro da Economia de Guterres? Ora, podemos dizer que o problema para este especialista não está tanto no volume de impostos que são cobrados, antes na forma como se faz a sua colecta. «Temos um sistema fiscal complicadíssimo, burocrático, com inúmeros alçapões». Sobre o panorama geral do país, Augusto Mateus alerta para a necessidade de passarmos de uma economia da oferta para uma economia da procura, com a valorização de coisas como a internacionalização, os serviços ou a distribuição. Vida Económica - Portugal está em recuperação, segundo o Governo e o Banco de Portugal.

Tem a mesma perspectiva, a mesma visão optimista da nossa economia?
Augusto Mateus - Nós, em Portugal, discutimos muitos números, algo que não faz grande sentido. Números são números e, em princípio, aqueles que estão disponíveis são os melhores possíveis.
Não podemos, contudo, esquecer que a Europa cresce, hoje, bastante menos do que já cresceu no passado e menos do que os outros blocos supranacionais das zonas mais industrializadas e desenvolvidas, verificando-se o mesmo em relação ao novo bloco dos grandes países emergentes. Dentro desse crescimento diminuto, Portugal tem um crescimento um pouco mais diminuído. Este é, digamos, se quiser, o problema estrutural que nós temos.
Do ponto de vista conjuntural, a Europa tem vindo a sair de um ponto de depressão. Há, no entanto, ritmos de crescimento desiguais, com diferenças muito significativas entre as diferentes economias. O que faz com que esta saída da depressão seja feita aos ziguezagues, não de uma forma sustentada. Temos oscilado entre uns momentos mais optimistas e outros mais pessimistas.

Apesar de tudo, existem alguns pontos sólidos. Temos o exemplo de países como a Alemanha, a Bélgica, a Holanda, os quais registam um crescimento económico que conseguiu, conjunturalmente, algum dinamismo. Depois, dentro da União Europeia, temos, obviamente, os novos Estados-membros com um crescimento muitíssimo mais elevado.VE - Há pouco falou dos problemas estruturais. O que mais o preocupa nesta área?AM - Nós temos um problema estrutural que consiste no facto de nós ainda nos mantermos muito numa economia de oferta quando deveríamos estar muito mais numa economia de procura.

Uma coisa é eu produzir primeiro e vender depois, outra coisa é ter uma articulação entre produção e procura. Em primeiro lugar, identifico necessidades, vejo que posso satisfazer essas necessidades e organizo-me para, muitas vezes, produzir já depois de ter vendido. Neste contexto, a economia portuguesa continua inserida numa lógica de insuficiente articulação entre agricultura, indústria e serviços, entre produção e distribuição. O mesmo se pode dizer em relação à internacionalização, também ela insuficiente, continuando nós, eventualmente, a investir de forma excessiva na lógica estrita de produção. Isso cria uma dificuldade muito grande que é expressa num grande problema estrutural da economia portuguesa: o facto de termos uma produtividade física com limites, mas bastante melhor do que a produtividade/valor. Ou seja, o nosso aumento da produtividade depende muito de uma mudança da nossa economia rumo a uma maior internacionalização, a uma maior capacidade de distribuição, a uma diferenciação da produção. Se nós nos deixarmos ficar como nos deixamos ficar muito numa lógica de transformação intermédia de produtos, só poderemos contar com más surpresas.
É óbvio que ninguém vai fazer coisas muito sofisticadas na área das cablagens, por exemplo, ou na área das componentes para automóveis, com salários que já não são tão competitivos como o foram quando essa vaga de investimentos se realizou. Há mais de 10 anos que chamo a atenção para estas matérias.
Nós temos, por exemplo, uma fortíssima capacidade industrial na área dos têxteis-lar, mas já não somos muito relevantes sob o ponto de vista da cadeia de valor integrada. Não temos, muitas vezes, capacidade para desenvolver modelos de distribuição, modelos de loja, para fazermos investimentos de proximidade em relação aos grandes mercados consumidores e, como tal, alguém faz. A nossa produtividade volume que até nem é tão baixa como, às vezes, as pessoas pensam, é diminuída por ocuparmos nas grandes cadeias de valor internacionalizadas as posições que libertam mais valor. Esse é um grande problema estrutural.

Outro grande problema estrutural que temos, em Portugal, é uma inadaptação àquilo que foram as profundas mudanças territoriais e organizacionais de uma Europa alargada e de um mundo global. Frequentemente, perdemos tempo a dizer que as regiões mais próximas do nosso principal parceiro comercial, a Espanha, são as do Interior. Já foram quando o nosso principal parceiro comercial era o Reino Unido.VE - Não podemos esperar pelo crescimento dos outros países europeus...AM - O nosso problema estrutural é, grosso modo, um problema de insuficiente internacionalização, de insuficiente valorização dos serviços e da distribuição - confundimos, muitas vezes, uma zona industrial com um sítio onde uma fábrica se pode implantar e não com um domínio empresarial, onde há serviços, onde há racionalidade, onde há baixos custos, porque se funciona em rede, porque se partilham redes e infra-estruturas - e é um pouco nessa linha que nós podemos enfrentar os nossos problemas.

Mas eu tenho insistido nisto: Portugal não vai recuperar o crescimento perdido. Portugal ou cria um novo modelo de crescimento ou não pode voltar a crescer a taxas suficientes, capazes de satisfazer as expectativas da população portuguesa. Não podemos esperar que a Espanha, a Alemanha ou a França cresçam um pouco mais. Aliás, no contexto europeu, em que países foi mais posto em causa o modelo competitivo? Aqueles que têm um nível de educação mais baixo e salários menos competitivos.VE - Considera que este Governo está a tomar as medidas correctas em relação a esta mudança de paradigma?AM - Não creio é que estas coisas possam ser discutidas em função do que o Governo faz ou deixa de fazer.VE - As empresas portuguesas queixam-se muito do volume de impostos, em Portugal. Estes, no seu entender, são demasiado altos. Será mesmo assim?AM - Eu não creio que o problema se situe ao nível da carga fiscal, situa-se ao nível, digamos, de outras características. Eu penso que seria muito mais interessante - e tenho insistido muito nisso ter um sistema fiscal amigo do crescimento e só temos um sistema fiscal amigo do crescimento quando o próprio sistema fiscal assume correr riscos.
Não consigo encontrar, na análise histórica do desenvolvimento das economias dos últimos 150 anos, nenhum caso de sustentabilidade em que o Estado fosse forte sem ser com base numa economia também ela forte. Quando um Estado é forte e a economia fraca, o primeiro não vai a lado nenhum. Nunca vi crescimento da receita fiscal a não ser com base numa base económica competitiva das empresas.

Eu acredito em sistemas fiscais simples, com muito mais regras e muito menos discricionariedade. Nós temos um conjunto de situações, nomeadamente, ligadas ao serviços às famílias, onde se podia ter uma situação muito mais simples. Não é assim tão complicado determinar, digamos, uma forte aproximação àquilo que é o volume de actividade de uma pastelaria ou de uma lavandaria. Há milhentas actividades de serviços finais onde o volume de actividades poderia ser determinado de uma forma, perfeitamente, escorreita e simplificada.
Devia existir um mecanismo de tributação simplificado, as pessoas que estavam em dia com os seus impostos, pagavam-nos de uma forma simplificada, aumentando-se, assim, drasticamente a receita fiscal. Temos um sistema complicadíssimo, burocrático, com inúmeras alçapões. Quanto mais burocrático e mais pesado é o sistema, mais alçapões há para mecanismos, digamos, de evasão, enfim, de ineficiência na cobrança.

Se há alguns que questionam a importância do QREN (Quadro de Referência Estratégico Nacional) na promoção da economia portuguesa, o mesmo não podemos dizer de Augusto Mateus. As suas palavras à «Vida Económica» são reveladoras: «O QREN tem um papel muito importante» ou não estivéssemos a falar de quantias avultadas. «Vamos ter à volta de 20 mil milhões de euros para utilizar desde o segundo semestre de 2007 até 2013», destaca este antigo Ministro da Economia de Guterres. E será que podemos continuar a fazer tudo da mesma forma?
Já sabemos pela apresentação que acaba de ser feita por José Sócrates que vamos ter um QREN mais selectivo e rigoroso. Augusto Mateus, na entrevista que nos dá, não deixa de destacar estes aspectos e fala daquilo que Portugal deve fazer se quiser, como diz, seguir «as regras do jogo». «Com estes 20 mil milhões de euros vamos ter que fazer poucos projectos, muito menos do que estamos habituados». Mas podemos dizer que as recomendações deste especialista não ficam por aqui. Portugal terá que utilizar uma parte substancial das verbas no cumprimento da Estratégica de Lisboa e isto passa, claro está, por coisas como a inovação, o conhecimento ou a aprendizagem ao longo da vida.

Augusto Mateus
Vida Económica

Etiquetas: , , ,

0 Apontamentos:

Enviar um comentário

<< Home

PRECISA DE UM SERVIÇO DE CONTABILIDADE ? PREENCHA OS DADOS JÁ