11.06.2006

Pensando o Brasil

Desde 1996, quando primeiro se vislumbrou no horizonte o risco de aprofundamento do desemprego no Brasil, eu, na época com alguma expectativa no governo FHC, escrevi um ensaio chamado "Antes que seja traída a Social Democracia", pois ele assumiu o poder com um discurso social democrata e eu entendo por "social democrata" o regime político e social da Europa ocidental, sobretudo da Europa do Norte. Mas logo vi, em 1996, que a coisa estava tomando caminhos diferentes e foi aí que escrevi o artigo.
O que define para mim a situação social é o mercado de trabalho e a taxa de desemprego. A nossa é gigantesca há anos, com um desemprego absoluto. Desemprego absoluto é aquela situação em que o sujeito está desempregado, procurou ativamente emprego e não conseguiu nenhuma ocupação, não conseguiu vender um picolé na praia. E só nessa condição que o IBGE considera como desempregado. O subemprego é aquele em que o sujeito ganha menos de um salário mínimo, e está hoje em 23% da força de trabalho. Se você soma desemprego absoluto com subemprego, dá 33% da força de trabalho hoje no Brasil, ou seja, um terço da força de trabalho, um terço da população economicamente ativa. Isso é mais que o triplo do desemprego na grande depressão dos EUA, na década de 30, que foi 25%, 26%. A nossa situação, com certeza, é mais grave. E só não é tão grave como era na década de 30 porque, na época, não se tinha nenhuma estrutura social de apoio ao desempregado. Quando é lançado o "New Deal" pelo presidente Roosevelt, se começa a criar toda uma política de pleno emprego.
Dos jovens entre 15 e 24 anos, 27%, quase um terço, estão ou desempregados ou não estudam, em uma metrópole como o Rio de Janeiro. E não adianta fazer um programa especial como o "Primeiro Emprego" porque isso não funciona. Isso é precarizar o trabalho de todos, em nome de dar trabalho precário aos jovens. O fato é que você não melhora o emprego dessa forma. Essa situação do mercado de trabalho é sem precedentes na história brasileira. A pior crise social da nossa história é determinada pelo indicador do desemprego.Isso as pessoas sabem. O que elas não sabem - e fiquei assustando quando acompanhei pesquisas de opinião qualitativas, com grupos de pessoas - é que ninguém, em todas as classes sociais, associa desemprego com política econômica. Em geral, se pensa que o desemprego é culpa do desempregado, que não estudou, não se qualificou, não é habilidoso. No entanto, toda culpa pelo desemprego é da política econômica, é quase exclusivamente dela. Se não houver uma política econômica compatível com isso, o pleno emprego, a casa cai.
Ou então se cria emprego em lugares e desemprego em outros. Qual é a economia que está por trás dessa situação de desemprego no Brasil?
Vou dizer três coisas, que se diz toda hora a respeito da política econômica brasileira. A primeira é que todo mês ou de 45 em 45 dias, o Banco Central anuncia a taxa de juros e há uma repercussão grande na imprensa, se ele reduziu ou não o suficiente ou deveria reduzir mais. A outra coisa é o superávit primário, toda hora há o anúncio de quanto o governo fez de superávit primário. E a taxa de câmbio, que pode estar flutuando ou não. Tudo isso aparece no jornal, mas obviamente de uma forma simples, ninguém aprofunda essas questões. Ou quando explica, o faz de forma neoliberal. Eu quero uma explicação para isso da ótica do bem-estar social.
Superávit e pobreza
Quando se tem um alto superávit primário, de mais de 4,25% do PIB, o que é isso, do ponto de vista do mercado de trabalho? Se vai fazer 4,25% ou 4,5%, vai contingenciar recursos para garantir superávit. O superávit primário é a diferença entre a receita pública dos três níveis de governo - federal, estadual e municipal - e os gastos públicos deles, não contabilizando juros. O que significa isso, do ponto de vista funcional na economia brasileira? Significa tirar recursos da economia, que vai funcionar com R$ 100 bi a menos. E esse valor que é usado para pagar juros, não volta para a economia. É reaplicado no mercado financeiro, porque a taxa de juros dá mais rentabilidade do que qualquer negócio no Brasil. É isso a principal força que retrai a economia brasileira, nesse nível medíocre de 2% ao ano.
Essa política econômica que se caracteriza por lucros financeiros estratosféricos, porque o juro é sobre a moeda e não sobre a poupança, é uma tática extravagante. A taxa americana subiu agora, porque eles estão com a economia crescendo muito. O consumo americano está criando um déficit de conta corrente para o exterior de quase US$ 1 tri. Então, subiram muito a taxa de juros, que está em 5%. E a nossa está em quase 15%.
Essa política, combinada com a política de superávit primário, provoca mais instabilidade no mercado de câmbio, pois temos um câmbio livre. Quem tem câmbio livre tem superávit comercial muito grande. Porque se você deixa o câmbio flutuar, segundo as forças do mercado, qualquer modificação no mercado mundial leva à queda, crise cambial. Estamos, literalmente, nas mãos do mercado financeiro internacional e a forma de compensar essa instabilidade é aumentar a taxa de juros.
Mas o custo interno disso é brutal! Se tem que aumentar a taxa de juros, há que aumentar o superávit primário para pagar os juros. E o que acontece? Trava a economia, o desemprego aumenta. E por trás disso, o processo de transferência de renda brutal. Todos os sistemas tributários, todos os sistemas fiscais do mundo civilizado são no sentido de transferência de recursos dos ricos para os pobres. Temos hoje dois únicos sistemas no mundo, que transferem recursos do pobre para o rico: o de Bush e o brasileiro, neoliberal. São os dois únicos que conheço que operam tirando recursos reais da massa.Uma política de pleno emprego
Qual é a alternativa para isso? A alternativa a gente conhece desde a década de 30: é uma política de pleno emprego. Quero chamar a atenção para esse conceito, que as pessoas às vezes entendem muito mal. Não estou falando de política de geração de emprego, que é um conceito microeconômico. Política de pleno emprego é para criar condições de pleno emprego no mercado de trabalho. Ela não cria diretamente o emprego, ela dá condições ao mercado de trabalho. Ela atua, principalmente, na política fiscal, fazendo o caminho inverso ao que mencionei do superávit primário. Em vez de superávit primário, vai fazer déficit do setor público. Se a gente tira mais recursos da economia do que devolve, está provocando retração. Muita gente fala que o problema no Brasil é que não há poupança. Temos poupança demais, R$ 1 tri de poupança no mercado financeiro, que não é transformado em investimento produtivo, fica rendendo. Passou de 30% do PIB, no começo do governo FHC, para quase 60%, no final.O que é o primeiro movimento de uma política de pleno emprego? É reduzir a taxa de juros. Ao fazer isso, a primeira coisa que acontece é esse capital que está no mercado financeiro ser estimulado a investir. Se não investe, o governo toma emprestado esses recursos e investe. E como o governo faz isso? Fazendo déficit. Dizem que o governo não pode fazer déficit, tem que gastar menos do que arrecada. Em uma situação de alto desemprego, o governo tem que fazer déficit. Déficit é inflacionário? Déficit só é inflacionário em uma situação de emprego, com desemprego isso não acontece. Não há nenhuma razão para a inflação de demanda ser associada a uma política de pleno emprego.

José Carlos de Assis
Economista Brasileiro
Seminário "Pensando o Brasil"

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