10.20.2006

Ponto de viragem no ciclo?



O cenário macroeconómico global gera um crescente desassossego entre a comunidade de investidores, discutindo-se a intensidade do arrefecimento em curso nos EUA, as probabilidades de um soft-landing e a capacidade de resistência dos restantes grandes blocos económicos, nomeadamente da Zona Euro. Consideramos elevada a probabilidade de um desenlace feliz. Ou seja, os EUA abrandarão para um patamar de expansão abaixo do potencial mas ainda assim confortável; o Japão prosseguirá uma caminhada de expansão num processo aparentemente auto-sustentado, mas na realidade, muito apoiado no contágio da economia chinesa; finalmente, as economias da UEM, lideradas pela Alemanha, revelam-se mais robustas, capazes de suster um abrandamento externo, facto para o qual contribui a melhoria no mercado de trabalho.

No entanto, em 2007 parece inevitável um abrandamento, fruto sobretudo do efeito progressivo de taxas de juro mais elevadas e também decorrendo do ajustamento em curso no mercado imobiliário dos EUA. A adopção de políticas fiscais mais restritivas na Zona Euro, salientando-se o aumento da taxa de IVA na Alemanha, terá uma repercussão negativa sobre a actividade económica, ainda que pontual. Recorde-se a revisão em baixa das previsões da Comissão Europeia para o primeiro trimestre de 2007, de um crescimento trimestral de 0,5% face ao trimestre anterior para 0,25%.

Ilustrando a forte incerteza e a divergência de opiniões entre observadores mais atentos e a necessidade de moderação aquando da formação de cenários, atente-se, por exemplo, nas expectativas que as grandes casas de research internacionais têm para as taxas de juro da Reserva Federal. Só para citarmos três exemplos, a Goldman Sachs antecipa cortes de 125 pontos no próximo ano, a Morgan Stanley afirma que a Reserva Federal vai ainda aumentar a taxa dos fed-funds no início de 2007 e o Paribas defende um corte nos juros até final deste ano. Para a Zona Euro existe mais consenso, pois ainda há algum espaço até se alcançar uma política mais neutral. Ainda assim, há quem defenda que a refi-rate possa ir até aos 4% em 2007, e há quem pense que o BCE irá parar nos 3,5%.

A tomada de posição sobre o cenário de médio prazo constitui uma questão fundamental, dado que é no cenário macroeconómico que assenta a formação de previsões para o andamento dos mercados e das principais variáveis financeiras. Impõe-se, por isso, uma tomada de posição, difícil num ambiente de incerteza e de aparente inflexão do ciclo. Tanto mais que os riscos para o crescimento são quase todos negativos, impondo cautela aquando da formação de cenários.
Este raciocínio aplica-se também à economia portuguesa, sobretudo sendo uma pequena economia aberta, muito vulnerável aos ventos que sopram do exterior e debilitada pela necessidade de correcção de desequilíbrios estruturais importantes. Sem dúvida que o actual enquadramento é mais positivo; o ponto de inflexão da economia portuguesa aconteceu este ano (2006). Por um lado, em 2005 ocorreu uma acentuada revisão em baixa das expectativas dos agentes económicos, possibilitando uma recuperação moderada desde então; por outro lado, o forte crescimento das economias externas e o re-direccionamento das exportações para mercados com elevado crescimento, têm possibilitado que a expansão em 2006 ocorra pela via mais saudável, ou seja, assente na procura externa líquida. Além da surpresa positiva das exportações, o mercado de emprego apresenta sinais de melhoria e, aparentemente estamos perante o início de uma tendência de redução ligeira da taxa de desemprego, permitindo antever uma ligeira aceleração do consumo privado.

No entanto, parece-nos que ainda é cedo para antecipar cenários demasiado optimistas. O ponto mais baixo do ciclo poderá já ter sido ultrapassado, mas a economia não curou ainda as suas deficiências mais profundas, que fazem prever que continue a crescer abaixo da média histórica nos tempos mais próximos. O petróleo está mais barato, mas provavelmente será conjuntural; as taxas de juro do euro vão aumentar mais, e as famílias portuguesas são das mais endividadas na UEM, a maioria com custos de financiamento indexados à Euribor; a UEM vai arrefecer, ainda que ligeiramente, e Portugal direcciona para a Zona Euro cerca de 80% das suas vendas ao exterior. Finalmente, e tendo em conta o trajecto estabelecido no PEC, pelo menos até 2008 continuará o esforço de contenção do défice público, que em 2007 deverá ser sobretudo alcançado pela via da despesa pública. Ora, parece-nos que também este esforço ainda não estará totalmente reflectido no comportamento actual dos agentes económicos privados.

Paula Carvalho
Departamento de Estudos Económicos e Financeiros do BPI

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